A Invasão russa da Ucrânia está a ser desde o início um confronto entre defensores de um chamado realismo e a própria realidade, isto para observar a situação no âmbito da engenharia do pensamentos que não é filosofia nem psicologia, mas talvez sociologia dos meios naquilo que o sociólogo alemão Max Weber designava por “paradoxo das consequências”.
Realismo e realidade não são a mesma coisa e posso exprimir isso com um exemplo banal. Putin no seu realismo deveria ter pensado, a Rússia é uma espécie de tubarão e vai abocanhar num instante um pequeno peixe 34 vezes mais pequeno, um robalo ou talvez uma sardinha, a Ucrânia, e acrescentava às suas elucubrações, o cardume é dirigido por um “palhaço” que desprezo como o desprezam os comunistas portugueses.
Selensky foi aconselhado pelo seu chefe dos serviços de informação que deveria ser realista e negociar com Putin porque seria melhor ficar com algo como uma pequena Ucrânia sem acesso ao mar que sem nada e ser fuzilado se os tanques russos T-90 chegassem à Praça Maidan.
O presidente da Ucrânia pode ser tido como um homem que veio do espetáculo mas não é parvo e despediu todo o pessoal realista dos serviços secretos, preferindo aconselhar-se com o general Valeriy Zalozhny a quem entregou o comando das operações militares de defesa da Ucrânia. O “general de ferro” como o chamam é um homem que em julho de 2014 vestiu um colete balístico e foi para frente do Donbass com a sua AK combater os russos. Aprendeu a conhecer as suas incapacidades para o combate porque estavam a lutar por duas minúsculas repúblicas de ficção para alimentar o ego de um autocrata vitalício.
O general é um conhecedor experiente da engenharia da guerra e sabe que não é uma arte, mas um somatório de técnicas.
Em primeiro lugar foi evidente a burrice da escolha do fim do inverno, a data de 24 de fevereiro para iniciar a conquista da Ucrânia quando a neve que cobre em camadas muito altas os campos da Ucrânia está mole e começa a misturar-se com o solo lamacento. Estive na Rússia nesse mês e vi a neve e o gelo castanhos da poluição dos escapes das viaturas. Junto aos lancis ainda gelo muito forte e escorregadio, mais para dentro a neve mole que a partir de uma dada espessura enterra as lagartas dos tanques e rodas dos carros de combate e transporte.
Acima de tudo, o general sabia o que estava dentro de um T-90, o blindado de combate mais poderoso das forças russas. Apesar de terem andado em exercícios na Bielo Rússia durante um mês e meio, os militares russos nada aprenderam e lançaram-se ao ataque sem preparação devida. Os conscritos foram chamados à pressa e os profissionais estavam empenhados em preparar mais homens para o combate. Em março e abril, os russos perderam 650 tanques e os ucranianos 220. Muitos tanques perderam-se porque os condutores não estavam treinados e resvalaram para taludes sem conseguiram sair da estrada 95 e o eixo de ataque russo que pretendia chegar em 72 horas a Kiev para fuzilar Selensky ficou parado na estrada 95 num fila de 65 km sem proteção dos flancos. Os T-90 têm uma poderosa peça de 125 mm destinada ao combate a blindados de batalha principal, mas que não serve para combater valentes ucranianos equipados com lança granadas antitanque russas RPG 7 e as mais moderna Javelin, NLAW, Panzerfaust, etc. A metralhadora ligeira coaxial dos tanques serve para pouco como a metralhadora pesada na torre que deixa o operador de fora. Os russos julgavam-se muito espertos e equiparam os T-80 e T-90 com computadores de bordo e visores ligados a satélites para observarem o campo de batalha. Só que os jovens conscritos viram-se aflitos para funcionarem com o material informático e enquanto procuravam ver alguma coisa já tinham levado com a granada perfuradora de uma arma antitanque. Além disso, os seus comandante disseram que seriam recebidos com flores e doces em Kiev. Os infelizes rapazes em vez dos rebuçados viram os seus tanques perfurados por granadas que mataram muitos deles.
No fim da primavera e no início do verão a situação não se alterou muito. Com perdas muito elevadas os russos pararam a sua ofensiva de combate, limitando-se a bombardear à distância com mísseis de longo alcance que não impediram que a Ucrânia recebesse apoios de fora graças à extrema tenacidade de Selensky A destruição das casas das famílias ucranianas e o massacre de Butcha enfureceu toda a Ucrânia e motivou os militares e os civis que se alistaram para defender a Pátria. Personalidades conhecidas do mundo das artes, desporto e da intelectualidade alistaram-se e sabemos pelos que morreram que assim foi. Do estrangeiro regressou um grande número de ucranianos para combaterem o inimigo russo. Uns jovens operacionais da construção que vieram à minha casa colocar janelas duplas já foram combater na sua terra, disse-me há dias o gerente da empresa. Agora a descoberta da valas comuns com centenas de cadáveres assassinados com mãos atadas e sinais de tortura ainda mais motivou os ucranianos já não para a defesa dessa entidade chamada pátria, mas sim para a defesa das suas vidas particulares e pior ainda quando se sabe que os russos procuram voluntários para a força militar capitalista Wagner entre os criminosos assassino, traficantes que povoam as suas prisões. De psicologia de guerra, o vitalício de Moscovo nada percebe nem é capaz de pensar. Mas é perigoso, pois como dizia o filósofo espanhol Ortega Y Gasset, pior que um malvado é um estúpido que o é durante as 24 horas do dia e da noite.